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Carol Bernardo

Capital Natural e Serviços Ecossistêmicos

Muitos conceitos perdem seus significados originais com o uso. São transformados “pela boca do povo”, como uma brincadeira de telefone sem fio. Que foi exatamente o que aconteceu com o conceito de desenvolvimento sustentável ou de sustentabilidade, no qual virou sinônimo para greenwashing


Como tem crescido a divulgação dos conceitos de capital natural, serviços ecossistêmicos e soluções baseadas na natureza (especialmente por conta das medidas de adaptação às mudanças climáticas após o lançamento do último relatório do IPCC), decidi falar um pouco desses conceitos por aqui. 


Engraçado que recentemente me fizeram a pergunta: “qual a diferença entre capital natural, serviços ecossistêmicos e biodiversidade”. E essa mesma diferença (e semelhanças) eu colocarei por aqui, 


Vamos começar pelo capital natural


Foto de Jasper Garratt na Unsplash


Foi na economia que tive o primeiro contato com esse conceito. E na minha tese fui a fundo pesquisar de onde surgiu o termo capital natural. Inicialmente (séculos XVII e XVIII), os recursos naturais (cuja proxy era a disponibilidade do solo) era colocada nos modelos econômicos como insumo de produção, pois a produção agrícola era o maior fator produtivo da época. Ou seja, a “terra” simbolizava o “capital natural” da época. Mas, além do solo e da sua disponibilidade para a produção, os outros recursos naturais eram considerados como produção natural, sem custo e sem ter a quem pagar pela sua oferta, pois eram considerados “presentes da natureza”. 


No entanto, houve uma mudança no pensamento econômico, o que fez mudar a percepção de valor. Por isso e por causa da revolução industrial que alterou toda a produção e os insumos usados, a variável “terra”, que simbolizava (mal e porcamente) os recursos naturais (ou seja, a disponibilidade de solo) saiu da equação de produção. Por volta da década de 1930, a terra e os outros recursos naturais desapareceram da função de produção. Esses insumos naturais foram substituídos pelo capital (maquinário + infraestrutura) e trabalho, e medidas físicas foram substituídas por medidas monetárias.


Ao mesmo tempo, a teoria econômica neoclássica começou a desenvolver mecanismos de como a inovação tecnológica poderia permitir a substitutibilidade entre insumos de produção tais como a terra e capital, considerando possível escassez de recursos. Segundo os economistas neoclássicos, a escassez de recursos naturais seria um evento e não uma catástrofe, já que seria um fato possível de ser contornado.


Com o movimento ambiental contemporâneo na segunda metade do século XX, subdisciplinas econômicas especializadas começaram a abordar falhas na ciência econômica padrão para analisar os problemas ambientais. E este fato foi um estímulo para o surgimento da primeira comunidade acadêmica especializada no campo da Economia dos Recursos Naturais e Meio Ambiente, cuja origem se remete ao início dos anos de 1960.


Portanto, foi nessa época que o conceito capital natural começou a ser utilizado, como uma proxy para os recursos naturais e sua disponibilidade. Pois, em economia o valor (monetário) de bens e serviços está relacionado à sua escassez (ou não). Por isso que materiais, bens e serviços mais escassos têm preços mais elevados que os que são mais disponíveis. Então o conceito trouxe à luz a possibilidade de escassez dos recursos naturais e, por isso, eles devem ser dotados de valor e entrar nos modelos de produção.


E o que serviços ecossistêmicos têm a ver com isso?


Bom, muita coisa. Mas, antes de começar a falar sobre eles, já vou dar o spoiler de que os dois conceitos NÃO são sinônimos. 


Foto de Aaron Burden na Unsplash

Serviços ecossistêmicos foi um conceito criado pelo casal de ecólogos Paul Ralph Ehrlich, Anne H. Ehrlich, em 1981, no livro intitulado "Extinction: the causes and consequences of the disappearance of species." Ambos escreveram este livro para mostrar as causas principais de extinção das espécies e as consequências que poderíamos sofrer com a perda da biodiversidade. E uma das questões que eles colocam no texto é sobre a dinâmica e funcionalidade dos ecossistemas, que se todos soubéssemos da sua importância, talvez o processo de extinção causado por nós, seres humanos, poderia ser diferente. 


E eles traduzem o que as funções, processos e dinâmica dos ecossistemas dão para todos os seres (humanos e não humanos) como sendo os serviços ecossistêmicos. Portanto, é um conceito que veio para tentar mostrar a importância de tudo o que acontece dentro do ecossistema e o seu resultado para uma pessoa que não é da área. Para tentar alertar que sem o entendimento de que tudo está interligado por meio de ciclos de matéria, energia, dinâmicas e processos que resultam em "bens e serviços", nossa extinção pode estar traçada. 


E o que aconteceu com esse conceito ao longo dos anos?


O mesmo que aconteceu com vários outros. Foram modificando e adaptando à realidade de cada área que decidiram utilizar o conceito com a sua própria visão. Na economia, por exemplo, é comum utilizarem o conceito de serviços ecossistêmicos numa visão mais utilitarista. Ou seja, de que bens e serviços do ecossistema trazem benefícios para os seres humanos. (A mesma coisa vem acontecendo com o conceito de Bioeconomia. neste video sobre isso)


Por que eu chamo essa visão de utilitarista? (Não só eu, mas vários autores, que inclusive coloquei na lista de referências abaixo: KAREIVA et al., 2011)


Porque é uma visão de quem acha que a natureza estaria a serviço dos seres humanos, e no sentido específico dos serviços ecossistêmicos, para dar-lhes benefícios. E não é bem por aí. Como falei, todas as espécies interagem no espaço e tempo, com dinâmicas e processos de matéria e energia. E todas se "beneficiam" do resultado desses processos e dinâmicas. Como nós, seres humanos, também estamos inseridos dentro no mesmo meio, no mesmo espaço e tempo, nós também influenciamos os processos e recebemos os "benefícios".


Muito bem! E a relação entre capital natural e serviços ecossistêmicos?


Não sei se notaram, mas cada um dos conceitos tem origens científicas diferentes. Capital natural originou de uma base econômica, enquanto serviços ecossistêmicos de uma base ecológica. A questão é que os recursos naturais (renováveis e não renováveis) disponíveis na Terra é o nosso capital natural e que esses mesmos recursos naturais, por seus processos e dinâmicas de interação no espaço tempo, fornecem serviços ecossistêmicos. 


Entenderam a lógica? É como se um fizesse parte do outro. 


E a Biodiversidade?


Foto de S N Pattenden na Unsplash

Bom, todos os seres vivos interagindo em um determinado tempo e espaço formam uma comunidade. Quanto mais diversa essa comunidade, ou seja, quanto mais espécies estiverem interagindo naquele determinado local e tempo, mais biodiverso é o ambiente. Ou seja, biodiversidade é toda a parte viva dos processos e dinâmicas que estão dentro de um ecossistema. E que são também necessárias para garantirem a "oferta" de bens e serviços ecossistêmicos. 


Ficou clara essa diferença?

Espero que sim!


Se tiverem alguma dúvida ou quiserem que eu faça mais textos como este coloque aqui nos comentários! Adorarei lê-los e responderei um a um! 


 

EN

Many concepts lose their original meanings with use. They are transformed and "be on everyone's lips" like the telephone game. This happened with the sustainable development or sustainability concepts, which became a synonym for greenwashing


As the natural capital, ecosystem services, and biodiversity notions are becoming more widely known (mainly because of climate change adaptation measures after the latest IPCC report release), I decided to talk about these concepts here. 


It is funny because someone recently asked me: "what is the difference between natural capital, ecosystem services, and biodiversity?" And that same difference (and similarities) I will put here.


Let's start with natural capital. 


It was in economics that I had my first contact with this concept. And in my thesis, I went in-depth to research where the natural capital term came from. Initially (17th and 18th centuries), natural resources (whose proxy was “soil availability”) were put in economic models as an input for production because agricultural production was the major productive factor of the time. In other words, the "land" symbolized the "natural capital" of that time. But, besides soil and its availability for production, the other natural resources were considered natural production, without cost and without having anyone pay for their supply because they were considered "nature's gift." 


However, there has been a change in economic thinking, which has changed value perception. Because of this and because of the industrial revolution that changed the whole production and inputs used, the variable "land," which symbolized (badly and poorly) natural resources (i.e., the availability of land), dropped out of the production equation. Around the 1930s, land and other natural resources disappeared from the production function. These raw inputs were replaced by capital (machinery + infrastructure) and labor, and physical measures were replaced by monetary measures.


At the same time, neoclassical economics theory started developing mechanisms for technological innovation to allow substitutability of production inputs, such as land and capital, considering a possible resource scarcity. According to neoclassical economists, natural resource scarcity would be an event and not a catastrophe since it would be a likely fact to be circumvented.


With the contemporary environmental movement in the second half of the 20th century, specialized economic subdisciplines began to address gaps in standard economic science to analyze environmental problems. And this fact was a stimulus for the emergence of the first technical academic community in the Natural Resource and Environmental Economics field, whose origin dates back to the early 1960s.


Therefore, at this time, the natural capital concept began being used as a proxy for natural resources and their availability. In economics, the (monetary) value of goods and services is related to their scarcity (or not). This is why scarcer materials, goods and services have higher prices than those more available. So the concept brought to light the possibility of natural resource scarcity. Therefore they must be endowed with value and enter into production models.


And what do ecosystem services have to do with it?


Well, a lot. But, before I start talking about them, I will already give a spoiler: the two concepts are NOT synonymous. 


Ecosystem services was a concept created by the ecologist couple Paul Ralph Ehrlich and Anne H. Ehrlich in 1981 in the book entitled "Extinction: the causes and consequences of the disappearance of species." They both wrote this book to show the species extinction leading causes and the consequences we could suffer from biodiversity loss. And one of the questions they ask in the text is about the ecosystem's dynamics and functionality; if we all knew their importance, maybe the extinction process caused by humans could be different. 


They translate what the ecosystems' functions, processes, and dynamics give to all beings (human and non-human) as ecosystem services. Therefore, this concept came to (try to) show what happens inside ecosystems and the relevance of their outcomes to a non-ecological-area person. Also came to (try to) warn that without the understanding that everything is interconnected through cycles of matter, energy, dynamics and processes, resulting in "goods and services", our extinction may be traced.


And what happened to the ecosystem services concept over the years?


The same thing happened with several others. They were modifying and adapting to each area's reality and decided to use the concept with their own vision. In economics, for example, it is common to use the ecosystem services concept in a more "utilitarian view," i.e., ecosystem goods and services benefit human beings.


Why do I call this view utilitarian? (Not only me but several authors, which I have included in the list of references below: KAREIVA et al., 2011)


Because it is a vision of those who think that nature would be at the human beings' service, and in the specific sense of ecosystem services, to give them benefits. And it's not quite like that... As I said, all species interact in space and time, with matter and energy dynamics and processes. And they all "benefit" from these processes and dynamics. As human beings are also inserted in the same environment, space, and time, we influence the processes and receive the "benefits."


Very good! What about the relationship between natural capital and ecosystem services?


I don't know if you noticed, but each concept has different scientific origins. Natural capital originated from an economic base, while ecosystem services came from an ecological base. The point is that the natural resources (renewable and non-renewable) available on Earth are our natural capital and that these same natural resources provide ecosystem services through their processes and dynamics of interaction in space-time.


Did you understand the logic? It is as if one is part of the other.


And Biodiversity?


Well, all living beings interacting in a given time and space form a community. The more diverse this community, the more species interact in that particular place and time, more biodiverse the environment. In other words, biodiversity is the whole living part of the ecosystem's processes and dynamics. And it is also necessary to guarantee the "supply" of ecosystem goods and services.


Was this difference clear?

Hope so!


If you have any questions or want me to do more posts like this, post them in the comments! I would love to read and answer them one by one!



Referências/References


GÓMEZ-BAGGETHUN, E.; DE GROOT, R.; LOMAS, P. L.; MONTES, C. The history of ecosystem services in economic theory and practice: From early notions to markets and payment schemes. Ecological Economics, [S.l.], v. 69, n. 6, p. 1209-1218, Apr. 2010.


EHRLICH, P. R.; EHRLICH, A. H. Extinction: the causes and consequences of the

disappearance of species. [1st ed.]. New York: Ballantine Books, 1981. 305 p.


KAREIVA, P.; TALLIS, H.; RICKETTS, T. H.; DAILY, G. C.; POLASKY, S. Natural Capital. Theory and practice of mapping ecosystem services. 1st ed. Oxford: Oxford University Press, 2011. 365 p.


MUELLER, C. C. Os economistas e as relações entre o sistema econômico e o meio ambiente. 1° reimpressão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2012. 562p.


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