top of page
Carol Bernardo

Economia, Resiliência e futuro


Foto de Alex Livingston na Unsplash

(Escrito em parceria com o professor Carlos Eduardo de Viveiros Grelle)

Existe um nível de incerteza no futuro, ainda mais em tempos de alterações climáticas. E o que poderia mudar este cenário, aumentar a previsibilidade e equilíbrio dinâmico em ecossistemas saudáveis, está se esvaindo com o tempo, como consequência de nossas escolhas. 


Sim, as escolhas definem os caminhos. Escolhemos como sociedade valorizar o capital, a moeda, em detrimento de uma estabilidade ecossistêmica. E fico me perguntando quando começamos, enquanto espécie, a deixar de valorizar a natureza como algo inerente à nossa sobrevivência, e a valorizar o controle e a exploração sobre ela como forma de atingir poder e ter determinado status econômico.


Depois de ouvir alguns podcasts e ler alguns artigos sobre, cheguei a conclusão de que deixamos de nos sentir iguais e pertencentes ao meio ambiente e passamos a nos sentir superior - por causa de um entendimento errôneo sobre o processo evolutivo - quando começamos a usar  e supostamente controlar em algumas escalas espaciais a natureza (as mudanças climáticas são prova da falta de controle), principalmente por meio do desenvolvimento de técnicas agrícolas. Entendo e concordo que esse “controle” nos permitiu ter mais desenvolvimento cognitivo, pela inovação tecnológica dessas práticas e de outras. No entanto, nos trouxe uma consequência, que estamos sentindo na pele hoje: o aquecimento médio global e a perda massiva da biodiversidade. Tudo isso como consequência de nos sentir “superior” ao meio ambiente e que poderíamos controlá-lo no longo prazo. 


Além disso, tem uma expressão que eu ouvi muito ao longo do meu doutorado em Economia e que ainda ouço, que vieram dos economistas ambientais que é: “o meio ambiente depura tudo, não?” (mito da resiliência ecossistêmica absoluta). A resposta é depende. E percebi que (ainda) falta conhecimento ecológico aos economistas ambientais. Sabia disso quando iniciei meu doutorado em Economia, que, inclusive, foi um dos motivos pelos quais eu decidi entrar nessa área, sendo bióloga de formação e mestre em Ecologia. Mas, depois de tudo o que já sabemos hoje, principalmente sobre os efeitos das atividades humanas sobre o meio e como consequência o aquecimento médio global, achei que essa visão tinha mudado. Só que não.


E o que essas duas coisas têm a ver? Tudo.


Enquanto economistas ambientais, vemos não só o lado do meio ambiente, mas também o lado da produção, especialmente a agrícola. E (quase) todo economista vai “defender” as práticas agrícolas, do jeito que elas são e se desenvolveram até hoje, por causa da importância que essas práticas têm para o PIB do Brasil, que tem como principal produto de exportação as tais das commodities. 


Então, falar disso é quase um “tabu” e é justamente por isso que precisamos falar. E é também por isso, que precisamos de mais biólogos, ecólogos e cientistas ambientais se adentrando na Economia. 


Veja, não estou condenando as práticas agrícolas, nem dizendo que deveríamos viver sem elas. Isso seria não só burrice, mas idiotice da minha parte. O que eu quero alertar é que precisamos ver a importância dos dois lados, não só o da produção, que aumenta o PIB e mantém o status quo da dinâmica do capital, da moeda, mas também o lado do meio ambiente e da conservação da biodiversidade, que mantém não só as práticas agrícolas "de pé", mas também nossas vidas funcionando. 


O meio ambiente, a natureza, é feita de diversas formas de vida, que interagem entre si. As mais diversas formas de vida fazem parte da biodiversidade de uma região, de um país. Quanto maior a biodiversidade, ou seja, quanto maior a diversidade de espécies e de habitats (florestas, rios, pântanos, savana…) de uma região, mais estável tende a ser este ecossistema. 


As atividades produtivas, especialmente as práticas agrícolas, precisam dos recursos ambientais para se manterem. Pensando na agricultura, por exemplo, é minimamente necessário uma ampla área, solo de qualidade e água disponível. Para que uma área seja agricultável, da forma como é hoje, em monoculturas, o ecossistema que havia ali precisa "desaparecer” para que o solo fique “livre” para ser plantado. Ou seja, as práticas agrícolas trouxeram a possibilidade de plantação em larga escala, para provimento de alimentos, mas tirou o que daria sustento a essa própria prática, no longo prazo. 


Os ecossistemas, quanto mais biodiversos, maior é a sua estabilidade frente às pressões ambientais, fornecem uma gama enorme de serviços e bens ecossistêmicos para todos os animais, plantas e outros seres que ali residem, inclusive para nós, seres humanos. A intrincada relação entre as espécies e entre os extratos de ambiente físico, solo, ar, água, é que fornece esses serviços. Eliminá-los por completo trará custos altíssimos para nós. Como estamos vendo atualmente. 


O solo rico e de qualidade, que é “dado” por um ecossistema em equilíbrio, vai deixando de ter essa característica quando é utilizado para a monocultura. Ao longo do tempo, vai se tornando mais pobre e propensos a “correções” químicas e artificiais, que trazem custos para o produtor e para a sociedade, pois uma vez no solo, todos esses fertilizantes e afins são lavados pela chuva e atingem os rios.


E é neste ponto que vem a pergunta: “mas o rio não depura? Não limpa?”


Depende de como está o rio no momento dessa descarga de sedimentos e nutrientes; de quanto tempo será essa descarga (se contínua ou se parará em algum momento); da vazão do rio e de outras características físicas. Se este rio está em equilíbrio e saudável, o aporte de sedimentos e nutrientes fará que esse rio saia do equilíbrio, pois altera a dinâmica do ecossistema. Se o aporte de nutrientes cessar, esse rio chegará a um novo equilíbrio, de menor qualidade que o anterior. E, enquanto economistas, esquecemos desse detalhe às vezes: a utilidade da população à jusante, com relação à demanda da água vai reduzir, pois a qualidade do rio diminuiu. Isso implica em aumento do custo social de limpar o rio para ser apto ao uso na cozinha e para dessedentação, por exemplo. 


E a biodiversidade deste rio? Provavelmente se reduziu, quando falamos em número de espécies diferentes. Porque tem espécies que são mais sensíveis às mudanças na química, no pH e no aporte de material orgânico. Por isso que o equilíbrio do rio muda e, consequentemente, sua qualidade muda. 


Se o aporte de material sedimentar for constante, uma vez que a produção agrícola não cessa, só diminui o ritmo ao longo de um ciclo produtivo, sem dar tempo para que o rio restaure seu equilíbrio basal, a qualidade do rio pode ser severamente colocada em risco. Porque essa característica de resistir e adaptar a esses sedimentos, levados pela chuva e irrigação, tem um limite. E esse limite se chama capacidade de suporte.


Novos sedimentos chegam a todo o momento, o rio não consegue atingir um novo equilíbrio. O aporte sedimentar não cessa nunca. A vazão não permite um escoamento significativo para “lavar” tudo isso e ainda pode ocorrer assoreamento do rio, se a quantidade de sedimentos for muito grande. A biodiversidade no rio vai se perdendo a cada nova chegada desses sedimentos. O ecossistema está em constante desequilíbrio. Chega um momento em que o ecossistema colapsa, porque a maioria da vida que estava ali foi perdida, só sobrou bactérias anaeróbias que conseguem se alimentar desses sedimentos e o rio morre. 


O que precisa para que o rio volte à vida? Um alto investimento e cessar o que está causando o impacto negativo. Mas, este último, entra no argumento “não podemos parar a produção, porque temos que alimentar as pessoas e manter o PIB". E o que fazer?


O próprio meio ambiente nos mostra o que fazer, mas somos arrogantes demais para parar e observar a natureza. Queremos o controle em prol do capital. Se der o tempo suficiente para o rio voltar a ser o que era, antes de entrar em colapso, não precisaria gastar para recolocá-lo em equilíbrio. Da mesma forma que se mantivéssemos os ecossistemas dentro dessas propriedades rurais conservadas e respeitassem as áreas de preservação (APP e RL), talvez teríamos um cenário diferente. Para se produzir, é necessário ter biodiversidade, que mantém a oferta de bens e serviços ecossistêmicos. Sem ela, o castelo de cartas das atividades produtivas humanas que construímos ao longo do tempo cairá. E, infelizmente, já estamos vendo as consequências dessa perda, como, por exemplo, o aumento dos preços de commodities. Reflexo da perda da biodiversidade e das consequências das alterações climáticas - uma vez que tudo isso está relacionado.  


Qual solução? Não sei. 

Acho que a primeira solução seria educação das crianças e até dos adultos sobre o funcionamento básico dos ecossistêmicos e a importância da biodiversidade nas nossas vidas, inclusive da importância dela para nossos bolsos. Mas não sei se estamos prontos para essa conversa ainda. 



 



5 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page