top of page
Carol Bernardo

Pagamentos por serviços ambientais e a sua Lei


Foto de Jason Leung na Unsplash


Estava refletindo aqui sobre uma coisa da minha trajetória dentro da ciência e da tecnologia, inspirada um pouco pelo dia 11/02, que é o dia internacional das meninas e mulheres na ciência. Acabei refletindo e analisando toda a minha trajetória na ciência até chegar na minha tese de doutorado. E uma das coisas que eu cheguei à conclusão é que eu gosto de teoria, pois minha tese é basicamente teórica, exceto por algumas questões empíricas, principalmente na análise de programas de pagamentos por serviços ambientais. 


A conclusão que cheguei com essa reflexão foi que precisamos olhar para a base teórica para poder entender e usar qualquer coisa na prática, para, principalmente, minimizar ineficiências, que é o que vemos muito com relação à aplicação de políticas públicas e o uso de seus instrumentos econômicos. Saliento isso, porque no doutorado estudei exatamente isso, o uso de instrumentos econômicos em políticas públicas ambientais, como um meio para verificar a relação (e a conversa) entre economia e ecologia.  Pois, a ecologia usa conceitos e teorias da economia e vice-versa, a economia também utiliza conceitos e teorias da ecologia, principalmente no que diz respeito à economia do meio ambiente. 


Então, pensando no instrumento econômico de política que mais está "na moda" ultimamente, o pagamento por serviços ambientais (PSA), que inclusive foi o que eu mais "destrinchei" na tese, precisamos entender a construção teórica por trás dele para conseguir usá-lo de forma mais "correta". Pois, no início de 2021, foi publicada Política Nacional de PSA (PNPSA), e não podemos deixar discutir questões teóricas e práticas relacionadas a ela e ao uso do instrumento escolhido.  


Foto de Mika Baumeister na Unsplash

A PNPSA se baseia em um ÚNICO instrumento econômico de política: o pagamento por serviços ambientais. Esse instrumento se baseia em duas bases teóricas: econômicas (o pagamento por serviços ambientais ou uma externalidade positiva) e ecológicas (dinâmica dos ecossistemas). Quando falamos que pagamos serviços ambientais, estamos pagando, na verdade, o esforço positivo do proprietário rural ou da proprietária rural em manter um determinado ecossistema intocado e ofertando serviços ecossistêmicos. Ou seja, estamos pagando a externalidade positiva que este ou esta gera ao conservar, restaurar ou preservar uma área e, consequentemente, não fazer um uso privado da terra para que esta seja cultivada por monoculturas ou para criação de gado. 


Portanto, o que devemos medir - e pagar, na verdade - é esse excedente em prol do proprietário ou proprietária. Pois este ou esta tem um alto custo para manter o ecossistema intocado, mas ele ou ela não recebe por essa externalidade positiva ou benefício social que está fornecendo a todos, por meio dos serviços ambientais por ele ou ela prestado. 


Isso veio da onde? Da base teórica econômica. E, quando analisamos a Lei, vemos que essa teoria não necessariamente foi "respeitada". Ao ler a Lei, é possível verificar que esta permite pagamentos não monetários (art. 3) também, e ainda, que o PSA pode ser realizado em um único pagamento, como se fosse uma única compensação (também art. 3). E temos que ter muito cuidado quando olhamos esse tipo de instrumento e possibilidades dentro da lei. Pois, de novo, precisamos olhar a base na qual o instrumento foi criado e construído, para não cairmos em erro de interpretação normativa.


Um programa de PSA deve pagar mensalmente quem faz a ação de prover o serviço ambiental, que é ofertado pelo ecossistema deixado intocado pela ação do proprietário. Ou seja, enquanto existir o ecossistema intocado, ele vai continuar provendo o serviço ecossistêmico. E, por isso, o proprietário deve ser remunerado por essa externalidade positiva. No entanto, quando pensamos numa compensação única, como é que vamos calcular essa compensação única, esse excedente, essa externalidade positiva ao longo do tempo? 


Foto de Alberto Bigoni na Unsplash

Dentro da base teórica, a solução econômica seria calcular considerando a oferta do serviço ecossistêmico num dado período (30 anos, por exemplo) e usar taxas de desconto para trazer esse valor, que seria pago mensalmente, por 30 anos, para o tempo presente. Isso, obviamente, deveria estar discriminado em um contrato ou no decreto que regulamenta a lei. Mas, a pergunta que não quer calar, inclusive dentro da Economia Ambiental é: que taxa de desconto (social) usar? (vou falar mais dela lá embaixo)


Em uma perspectiva ecológica, em que a contagem temporal normalmente é geológica, 30 anos não é "nada", considerando os 100 anos de existência de uma vegetação nativa para atingir seu clímax, sua estabilidade ecossistêmica. Mas, sabemos que dentro da perspectiva econômica, o período temporal usado para estimar pagamentos de longo prazo, é em torno de 25 a 30 anos.


Ou seja, o cálculo dessa compensação deve ser o quanto, ao longo de 30 anos de preservação/conservação da área, será o valor da externalidade positiva ofertada pelo proprietário ou proprietária da terra? Muitas perguntas e poucas respostas. 


Ainda, vale lembrar que, para conseguir calcular minimamente esse esforço, será necessário fazer um estudo de base, para conferir se a ação de conservação realmente ofertará o serviço a ser pago ao longo dos anos. O que chamamos de condicionalidade e que é a principal característica de um programa de pagamento por serviço ambiental.


Além deste desafio temporal, temos o desafio de saber qual a taxa de desconto a ser usada para determinado tipo de serviço? Ou seja, qual seria a melhor taxa de desconto para que você tenha ações de conservação hoje e num período de 30 anos, para que no futuro, aquele serviço ainda esteja ofertado com a mesma qualidade? Será que isso é possível de estimar, dada a instabilidade climática que enfrentamos hoje? E será que este mesmo serviço terá a mesma demanda, ou demanda constante, ao longo do tempo?  


Um estudo feito na Alemanha, em 2015, mostrou que uma taxa de desconto social aceitável, visto as incertezas trazidas pela própria dinâmica do meio ambiente, demanda social e possíveis alterações climáticas, seria de 2,27% / ano, em estudos de análise de custo-benefício. Será que poderíamos utilizar a mesma lógica quanto aos PSA? Não, sei, talvez. É algo que precisa ser estudado.


No entanto, a adoção de taxas de desconto, ainda geram controvérsias e impõem limitações ao seu uso. Adotar taxas de desconto decrescentes, ao longo dos anos, pode parecer moralmente inaceitáveis e inconsistentes com as noções de equidade entre gerações, pois os custos e benefícios futuros aparecem com valores atuais insignificantes quando o desconto é praticado, ou seja, trazido para o presente. Ou seja, as atividades atuais que impõem grandes custos às gerações futuras podem parecer insignificantes em uma análise custo- benefício. Do mesmo modo em que as ações que agora podem beneficiar as gerações futuras não podem ser empreendidas à luz de uma análise custo-benefício. Assim, autores recomendam que as orientações governamentais de desconto sejam atualizadas para lidar com a incerteza, preços relativos e abordagens éticas alternativas. 


Veja, não estou falando que a taxa de desconto deve ser fixa. Depende muito do tipo de serviço que está sendo ofertado e, para isso, precisa de estudos tanto ecológicos (para comprovar a condicionalidade), quanto econômicos (para verificar qual a melhor taxa de desconto para determinado tipo de serviço ofertado). Tudo isso para que o instrumento não perca a sua natureza teórica ao ser aplicado na prática, que é a de conservar locais que não estariam contemplados em nenhuma norma legal e remunerar a pessoa responsável por beneficiar a população com a oferta dos serviços ambientais. 


Além de tudo isso, o que precisa ser pensado é como e quem deve monitorar a implementação de todo esse processo e, principalmente, da permanência da oferta e dos pagamentos?  


São questões que devem ser pensadas no momento de fazer o decreto regulamentador desta Lei. 


Espero que este texto tenha elucidado e ajudado um pouco a pensar tanto no próprio instrumento de PSA quanto em formas de regulamentar a Lei da PNPSA. Pois, temos que tomar cuidado para que essa compensação não seja calculada igual a compensação ambiental destinada às unidades de conservação, proveniente dos grandes empreendimentos. Pois, nesse caso, o cálculo é um tanto quanto arbitrário ao usar até 5% do custo total do empreendimento como o valor da compensação, sem ter feito estudo ecossistêmico algum.


Se temos a oportunidade de fazer direito, conforme as bases teóricas, porque não fazer e se utilizar da ciência para a construção de políticas públicas ambientais mais eficazes e eficientes? 


E ainda, calcular um valor que seja justo para todos e todas os envolvidos. 



Referências utilizadas:

BÉNASSY, J-P. Macroeconomic theory. [1sted.]. Oxford: University Press, 2011. 302 p.


BERNARDO, C. T. B. Economia Ambiental e Ecologia: a proximidade vai além do prefixo?. 2017. 274f. Tese(Doutorado em Economia) - Pós-graduação em Economia, Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade, Universidade de Brasília, Brasília, DF. 


DRUPP, M. A.; FREEMAN, M. C.; GROOM, B.; NESJE, F. Discounting Disentangled. Centre for Climate Change Economics and Policy, n. 195, 2015. 44p. Disponível em: <https://www.lse.ac.uk/granthaminstitute/wp-content/uploads/2015/06/Working-Paper-172-Drupp-et-al.pdf>. Acesso em: 7 mar. 2024.


PEARCE, D.; ATKINSON, G.; MOURATO, S. Cost-Benefit Analysis and the Environment. Recent Developments. Paris: OECD Publishing, 2006. 318 p.


WUNDER, S. Payments for environmental services: some nuts and bolts. CIFOR, Ocasional Paper, n. 42, 2005. 25p.


WUNDER, S.; ENGEL, S.; PAGIOLA, S. Taking stock: a comparative analysis of payments for environmental services programs in developed and developing countries. Ecological Economics, [S.l.], v. 65, n. 4, p. 834-852, May 2008.





Posts recentes

Ver tudo

Commenti


bottom of page